quarta-feira, 20 de outubro de 2010

As possibilidades do impossível



Uma casa grande? Uma tradição árabe-brasileira? Uma lavoura arcaica? Uns talvez encontrem tudo isso no filme de Luiz Fernando de Carvalho, outros talvez percebam mais que isso. O filme é denso mesmo, no sentido em que Gilbert Ryle define o conceito de denso. A história é narrada por André (Seltom Mello), que vive um amor desenfreado por Ana (Simone Spoladore). A subjetividade do narrador questiona a ética e a moral vigentes. É possível que todas as funções dos desejos humanos sejam contempladas nessa lírica exposição de sentidos que ao final se apresenta trágica. São quase três horas de filme em que a gente só bate a pestana porque não consegue conter a involuntariedade dos músculos das pálpebras.

O filme é fruto de uma leitura caprichada do livro homônimo de Raduan Nassar. Os atores dão um banho de interpretação. Ana não diz uma só palavra. Às vezes parece até que é um teatro filmado de alto nível. Nesse sentido, pelo menos quatro linguagens são convocadas para contar a história: a literatura, o cinema, a fotografia e o teatro. LavourArcaica é apenas uma história de uma pessoa que busca a felicidade, uma história muito bem contada, diga-se. Se essa pessoa busca a felicidade é por que ela não a tem no ambiente em que vive. A ilusão de encontrá-la em outros espaços logo se dilui e o retorno ao seio familiar parece abrir novas portas...

O filme traz à tona, entre outras discussões, a questão das relações entre uma tradição, que insiste em ser tradição, representada pela figura patriarcal (Raul Cortez), e uma proposta de inovação dos valores dessa mesma tradição, presente na figura de André. Quem vê o filme logo se embriaga com a tensão presente nos questionamentos angustiados de André, com os carinhos (incestuosos?) de sua mãe e com o cenário de uma casa grande, mediados pela sonoridade de uma música e uma dança que soam árabe, embora com citações de brasilidade.

Um filme para assistir pelo menos umas cinco vezes durante uma vida de 40 anos, quem pretende viver mais que isso que o assista mais vezes. Aproveite e mergulhe nos extras, cheios de depoimentos dos atores, diretores e demais pessoas conhecedoras da obra de Raduam Nassar, de Heidegger, de Rimbaud, de Artaud, entre outros malditos.

Serviço:
Lavoura Arcaica: Direção e roteiro de Luiz Fernando Carvalho, estrelado por Seltom Mello, Leonardo Medeiros, Simone Spoladore, Raul Cortez e Juliana Carneiro da Cunha. Fotografia de Walter Carvalho. Trilha sonora: Marco Antônio Guimarães. Prêmios: Melhor Contribuição Artística – Festival de Montreal – Canadá – 2001; Prêmio Especial de Júri: Festival de Biarritz – 2001; Prêmio do Público: 25ª Mostra BR de Cinema – São Paulo – 2001; Prêmio Ministério da Cultura – Festival Rio-BR 2001.

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