sexta-feira, 28 de maio de 2010

Menino-menina

A definição dos papéis da mulher e do homem estão presentes desde o início do filme Minha vida cor de rosa. As primeiras cenas são de casais preparando-se para a festa primaveril no jardim da família recém-chegada ao bairro. Não importa se os casais são desajeitados, empolgados ou ansiosos. Existe um tema que se repete: o marido sobe o zíper (nas costas) do vestido da esposa.

Mulheres usam vestido e salto alto, homens usam gravata e calça. Mulheres trabalham em casa e são cabelereiras ou costureiras, homens são empresários e vão de carro pro trabalho. Meninas brincam de boneca, meninos brincam de carrinho. Os gêneros masculino e feminino são socialmente aprendidos e cultivados. 

A relação entre sexualidade e gênero é bastante estreita: uma pessoa que sofre preconceito de gênero sofre para vivenciar sua sexualidade. Ludo é um menino de 7 anos que quer ser belo e se sente atraído por Jerome, seu colega de escola. É dito a Ludo que meninos não se casam com meninos. A solução encontrada pelo garoto é simples: casará com Jerome quando for mulher.

O mais interessante de Minha vida cor de rosa é que Ludo não sabe se é menino ou menina. A criança não sabe qual é o seu sexo porque foi criada de uma maneira livre (Ludo não foi educado a brincar com carrinhos, jogar futebol ou se interessar pelas meninas) e de repente, numa festa em que se apresenta vestido de princesa, sente na pele os julgamentos sociais de que não apenas ele, mas seus pais serão alvo. De forma graciosa e leve, o espectador acompanha as dúvidas esmagadoras e soluções ingênuas de Ludo em relação ao seu sexo e sua sexualidade.

Ludo é o vértice de uma revolução no bairro. É interessante notar como os vizinhos, Jerome, o pai, a mãe, a avó moderna e os irmãos lidam com a "excentricidade" de Ludo. Sejam quais forem os comportamentos desses satélites em volta de Ludovic, a tendência geral é esperar que o menino seja "endireitado", que seja "normal" como os outros meninos. Conviver com a diferença é difícil dentro e fora da família.



Informações Técnicas
Título no Brasil:  Minha Vida em Cor-de-Rosa
Título Original:  Ma vie en rose
País de Origem:  França / Bélgica / Inglaterra
Gênero:  Comédia
Tempo de Duração: 88 minutos
Ano de Lançamento:  1997
Site Oficial:  http://www.spe.sony.com/classics/ma vieenrose/
Estúdio/Distrib.: 
Direção:  Alain Berliner

Kinsey


Falar de sexo na nossa sociedade contemporânea tida como moderna em diversos aspectos ainda é, em muitos casos, um verdadeiro tabu. É só pensarmos um pouco na construção da compreensão da nossa sexualidade, se é que a compreendemos.

Geralmente a discussão sobre sexo e o descobrimento da sexualidade de maneira geral é um processo longo de se auto-descobrir. É desta forma que o filme Kinsey – vamos falar de sexo (dirigido por Bill Condon - 2004) traz à tona, a partir da edificação de uma biografia cinematografada, a história de vida de Alfred Kinsey, um biólogo norte-americano que entre os anos de 1940 -1950 aprofundou-se nos estudos da sexualidade. Neste período, publicou uma das maiores pesquisas sobre a sexualidade humana já produzidas. 


Kinsey até hoje é conhecido como o pai da sexologia, e seus estudos influenciaram diretamente a revolução sexual da década de 1960. Diferentemente da maioria dos filmes que tem como pano de fundo a temática da sexualidade, Kinsey – vamos falar de sexo tem um caráter epistemológico em relação à discussão de como um homem se diferencia dos outros na forma de pensar a sua própria sexualidade, definir seus gostos e fetiches. Cada um tem sua peculiaridade. 

Algo que aparece na película, e é apresentado pelos personagens de maneira interessantíssima, é a discussão sobre o que é normal. O normal como característica comum a todos. No entanto, o filme mostra de forma até didática que cada um possui sua diferença e suas peculiaridades, apesar de termos características apresentadas como universais.

Atualmente imagina-se que muitas dessas perspectivas puritanas e repletas de regras e tabus em relação à sexualidade e o sexo (que possui definições diferentes) na nossa sociedade tenham, de maneira geral, se diluído, principalmente pela influência dos meios de comunicação.

No entanto, o que se percebe é a existência cada vez mais acentuada de um bombardeio por parte da mídia em geral, principalmente de imagens em que o sexo e o erotismo estão presentes; porém sem um mínimo de informação. A indústria da pornografia é uma das mais rentáveis, gerando milhões aos cofres privados e públicos. Todavia, a ignorância, a desinformação e a repressão sexual ainda são muito presentes na nossa sociedade, por mais contraditório que pareça.

Podemos evidenciar que no filme uma discussão que fica em segundo plano, contudo merece ser ressaltada, é como Kinsey (excelente interpretação de Liam Neeson) aparece ao longo da película como um cientista obcecado para compreender o comportamento sexual dos homens e das mulheres, tornando as relações humanas estritamente racionais.

São inúmeros os motivos pelos quais o filme deve ser assistido, a atualidade do tema e das narrativas nos proporciona reflexões importantes tanto para questões da própria subjetividade como para percebermos as mudanças de paradigmas histórico-sociais em relação ao tema.
Por Paulo Alberto Mendes.

sábado, 22 de maio de 2010

Let's talk about sex

Kinsey: Vamos Falar de Sexo é um filme baseado na história de Alfred Kinsey, biólogo norte-americano autor dos livros Sexual Behavior in the Human Male (1948) e Sexual Behavior in the Human Female (1953). Muito bem dirigido por Bill Condon, o filme trata de um dos maiores tabus da sociedade: o comportamento sexual.

Após um longo tempo estudando vespas, Kinsey (Liam Neeson) torna-se sexólogo, e começa a estudar comportamento sexual humano do ponto de vista biológico sem levar em conta princípios religiosos e morais. Ele inicia seus estudos sobre o assunto, através de entrevistas com pessoas de todas as idades. O resultado de seus estudos foi publicado em 1948 no livro Comportamento Sexual do Homem, que foi um dos livros mais vendidos da época e revolucionou o modo de pensar na década de 40.

Dando continuidade aos seus estudos, Kinsey publica em 1953 outra obra: Comportamento Sexual feminino, sua obra foi mal recebida e não obteve tanto sucesso como a primeira: os dados do livro foram publicados pela imprensa sensacionalista como uma verdadeira bomba. Com o resultado ruim da segunda parte de seus estudos, Kinsey perde financiamento e já não pode dar continuidade às pesquisas também pelo fato de estar com a saúde debilitada.

A maioria arrasadora dos filmes sobre sexo acaba se tornando apelativos, o que não é o caso de Kinsey, pois ele aborda o tema de uma forma singular e mostra uma realidade que perdura nos dias atuais, de que a sociedade está presa no velho padrão social que intimida e reprime as pessoas.
Por Érika Lima


Ficha técnica:

Titulo original: Kinsey
Duração: 118 mim
Ano: 2004
Direção: Bill Condon
País de Origem: Estados Unidos

sexta-feira, 21 de maio de 2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

La lengua de las mariposas


O medo de ir pela primeira vez à escola pode ser inversamente proporcional ao encantamento posterior desse mesmo lugar, causador de insônias e até mesmo de tentativas de fuga. Esse é o contexto inicial do filme A língua das mariposas. Moncho (Manoel Lazano) é só um menino de apenas sete anos que, como a maioria dos garotos da sua idade, tem que enfrentar um dos maiores dramas da sua vida: “largar” a segurança da família e adentrar em um ambiente supostamente hostil e apavorante da escola, um lugar onde as pessoas e as regras são desconhecidas.

O filme nos mostra de maneira sensível e poética as transformações do pequeno mundo de Moncho. A escola, desta forma, aparece como elemento de transição para a ampliação do horizonte de conhecimento e perspectivas do encantador Moncho.

Logo nos primeiros dias de aula, uma relação de amizade é estabelecida entre o carismático educador Don Gregório (Fernando Fernán-Gomes) que é respeitado tanto pelos seus alunos como pelo pequeno vilarejo de Galicia e Moncho. Esta amizade traz à tona reminiscências como a amizade entre Totó e Alfredo em Cinema Paradiso.

Utilizando-se em diversas cenas de um cenário em que a natureza é fortemente presente, a fotografia é uma ferramenta narrativa, pois evidencia o contraste com as cenas urbanas finais - de maior tensão, ocasionada pela iminente guerra civil espanhola.

A música é outro elemento importante. O cineasta e músico Alejandro Amenábar (diretor de filmes como Mar adentro e Os outros) foi responsável pela trilha sonora, tornado cenas em que a Orquestra Azul da Galicia, banda na qual Moncho é mascote e seu irmão toca saxofone, pontos ascendentes do filme. Destaque para o solo de saxofone do irmão do protagonista para a garota chinesa pela qual ele está apaixonado.

No entanto, mais do que um filme que retrata a beleza da vida na óptica de um garoto, A língua das Mariposas mostra a vulnerabilidade do homem diante do social. Com o início da guerra civil espanhola e a consolidação de uma ditadura fascista, Moncho vê seu universo virar de pernas para o ar, pois duas de suas maiores referências de vida, o pai e o maestro (que são republicanos) são diretamente oprimidas pelo contexto da guerra civil. Esta é uma película belíssima, que no entanto nos mostra, de maneira cética, a relatividade  dos valores e as contradições da nossa vida diante da guerra.

Por Paulo Alberto Mendes
 

Direção: José Luis Cuerda.
Roteiro: Rafael Azcona, José Luis Cuerda, Manuel Rivas.
Elenco: Fernando Fernán Gómez, Manuel Lozano, Uxia Blanco, Gonzalo Martin Uriarte, Alexis de Los Santos.
Ano: 1999.
Gênero: Drama.
Tempo: 96 min

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Rosso come il cielo

- Como são as cores?
- Azul é como o vento que se sente andando de bicicleta. Marrom é como o tronco dessa árvore. Sente?
- Então marrom é áspero. E vermelho?
- É o fogo. Vermelho é como fica o céu no pôr do sol.


Vermelho como o céu é um filme baseado na história de Mirco Mencacci, o mais respeitado sonoplasta do cinema italiano da atualidade. No entanto, o sonoplasta não participou do filme magistralmente dirigido por Cristiano Bortone. Eleito como melhor filme pelo júri popular da 30° Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme conta a história de um menino apaixonado por cinema que perde a visão aos dez anos de idade.

A cegueira de Mirco ocasiona uma série de negações: ele não pode mais continuar na escola, porque a lei italiana proíbe, em 1970, que crianças com necessidades especiais frequentem a escola normal; ele não pode mais ficar no vilarejo perto de Pisa em que moram seus pais e é transferido para uma escola para cegos na cidade grande (Gênova); nesse internato (católico e semi-profissionalizante) não lhe é permitido descobrir novas habilidades e sentidos, porque o lema do diretor da escola especial é que a cegueira lhe guiará para o que ainda pode fazer; por fim, a aceitação da sua nova condição sem luz não é fácil.

Mirco perde um de seus sentidos, mas aprende a desenvolver outros. Encontra um gravador e passa a colecionar e editar sons. Nesse sentido, o filme é altamente estimulante e inspirador: acompanhamos como o garoto aprende a manipular a bobina, escuta os sons e procura efeitos sonoros em objetos comuns em parceria com um menino cego de nascença chamado Felice. Com o apoio de um professor, mas em regime autodidata, Mirco aglomera os meninos do internato à sua volta para juntos contarem uma estória composta em conjunto.

Além de ser o elo de ligação entre os meninos do internato, Mirco faz a ponte com a vida fora de seus portões: faz amizade com a filha da zeladora, Francesca; foge do internato com a Francesca numa bicicleta; conhece Ettore, um cego operário manifestante; e leva alguns de seus novos colegas ao cinema.

De todos os filmes sobre a cegueira (A cor do paraíso, Dançando no escuro, Ensaio sobre a cegueira, Janela da alma, Perfume de mulher, Erbsen auf halb 6), esse é o mais estimulante, tocante e alegre.



Informações Técnicas
Título no Brasil:  Vermelho como o Céu
Título Original:  Rosso come il Cielo
País de Origem:  Itália
Gênero:  Drama
Classificação etária: 12 anos
Tempo de Duração: 95 minutos
Ano de Lançamento:  2006
Estréia no Brasil: 20/04/2007
Site Oficial:  http://www.orisa.it/cinema/rossocom eilcielo.htm
Estúdio/Distrib.:  Califórnia Filmes
Direção:  Cristiano Bortone

terça-feira, 4 de maio de 2010

Machuca


Na infância se inicia o processo pelo qual a realidade vai sendo significada. São diversas as influências externas que permeiam este processo. Entre estas influências está o pano de fundo da vida: seu contexto político e social. “Machuca”,deixa claro que o condicionamento exercido pelo meio social não se restringe à forma pela qual atribuímos sentido à realidade; ele chega também nas nossas relações pessoais.

Ou então, como seria possível que os meninos (Gonzalo Infante e Pedro Machuca) se tornassem colegas no colégio sem a intervenção do Padre McEnroe? A atitude do padre é fundamental para o enredo da estória. O diretor, Andrés Wood, tem como inspiração a sua própria biografia, pois ele viveu na infância a mesma situação retratada no filme. Um padre influenciado por ideais progressistas fizera a mesma coisa na escola em que o diretor estudou quando criança.


Através da relação estabelecida entre os dois garotos na escola, o diretor do filme pinta as contradições existentes na sociedade chilena do início da década de 70. A diferenciação entre as condições financeiras das famílias dos dois garotos expõe com muita clareza o vale que a desigualdade social representa entre as condições da classe média e os estratos menos favorecidos da sociedade. A extrema pobreza da família de Pedro - que vive em uma casa de um único cômodo em uma favela – destoa gritantemente das condições menos desfavorecidas da família de Gonzalo. No entanto, são patentes os problemas ocasionados pelo dinheiro nas duas famílias. Na de Pedro, através de uma atroz ausência e na de Gonzalo, através dos meios - não muito convencionais - empregados por sua mãe para escapar ao racionamento dos recursos materiais impostos pelo governo de Allende.


Inicialmente, são os pontos convergentes entre os garotos que sobressaem na trama. Suas diferenças de classe ficam em segundo plano. Quando o menino de classe média se recusa a dar ao novato, de condição financeira menos favorecida, o mesmo tratamento que lhe era dispensado quando era ele o alvo predileto das chacotas dos colegas de classe, se forja a identificação entre os dois. É essa identificação que lhes permite desfrutar diversos momentos agradáveis, independentemente das suas diferenças. No entanto, quando os primeiros inconvenientes aparecem na relação, as diferenças existentes entre os dois garotos, somadas à polarização no cenário político, mostram todo o seu peso e os resultados são trágicos. Os condicionantes de classe solapam as convergências pessoais.

“Machuca” nos leva em uma viagem pelo Chile num período de enorme efervescência política. O pano de fundo dessa interessantíssima história é o fim do governo socialista de Salvador Allende e o início da ditadura do General Augusto Pinochet. Contudo, o contexto sócio-político aparece no filme de uma forma muito mais singela do que historicista. A interpretação da conjuntura política realizada pelo diretor aparece através dos garotos, muito mais por meio da sensação do que por uma análise fundamentada; de modo que não é necessário ser um profundo conhecedor da história chilena para se deliciar com este ótimo filme, que se desenrola a partir da curta relação de amizade estabelecida entre dois garotos de onze anos.


 

Informações Técnicas
Título no Brasil: Machuca
Título Original: Machuca
País de Origem: Chile / Espanha / Reino Unido / França
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 121 minutos
Ano de Lançamento: 2004
Site Oficial:
Estúdio/Distrib.: Mais Filmes
Direção: Andrés Wood