quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A partida



Cada particularidade da morte nos afeta. Seja o motivo ou momento inesperado, todo falecimento tem um ritual de passagem no qual seguimos dependendo dos costumes locais e principalmente da crença religiosa. Todos nós possuímos uma herança cultural que define a nossa visão da morte. As nossas interpretações atuais sobre a morte constituem parte da herança que as gerações anteriores, as antigas culturas, nos deixaram. Seja qual for o rito de passagem, há surpresa e tristeza em toda morte.

Com um roteiro simples e sem rodeios, o filme A partida mostra o cotidiano de um violoncelista que perde seu emprego tão sonhado após a Orquestra na qual ele trabalhava ser desfeita. Ele volta à cidade natal para morar na casa da mãe e de um pai que mal conheceu e acaba conseguindo um emprego pouco respeitado: torna-se um “nokanshi”, um mestre em limpar, maquiar e vestir cadáveres. Essa função advém de uma antiga tradição japonesa de deixar o morto limpo, belo e bem tratado para seu rito de passagem, função antes exercida pelas famílias dos mortos.

Interessante a forma como as outras personagens veem essa profissão. Para elas, trata-se de uma profissão vergonhosa, indigna e até mesmo sórdida, o que implica uma visão negativa por parte destes em relação ao contato entre mortos e vivos, bem como uma negação de uma antiga tradição cultural.

Para Daigo, o manuseio de cadáveres tornou a morte algo material, mas, conforme ele foi se adaptando à profissão, ele começou a perceber o sentido e a importância de todo ritual. A morte deixou de ser vista como algo plenamente material, e passou a ter beleza após todo cuidado que ele tinha com o corpo do falecido para o rito de passagem. 

Falar sobre a morte provoca certo desconforto, pois damos de cara com a finitude, o inevitável, a certeza de que um dia a vida chega ao fim, porém, no filme. além de mostrar um panorama interessante sobre a morte como um ato cultural japonês, cheio de beleza, nos fala também sobre a vida, as mudanças e o passado dos personagens.


FICHA-TÉCNICA:

Título Original: Okuribito
Lançamento: 2008
País de origem: Japão
Direção: Yojiro Takita
Atores: Masahiro Motoki, Tsutomu Yamazaki, Ryoko Hirosue, Kazuko Yoshiyuki.
Duração: 130 min
Gênero: Drama
 
Premiações:
OSCAR
Melhor Filme Estrangeiro

FESTIVAL DE MONTREAL
Grand Prix des Amériques

FESTIVAL DE PALM SPRINGS
Melhor Filme - Júri Popular

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Homem morto




O cineclube deLírio está de volta. Iniciamos nossas atividades este ano com nossa primeira temática: Morte. Abrindo os trabalhos nesta nova temática, apresentamos Dead Man. Dirigido por Jim Jarmusch, Dead man é um filme que foge aos padrões hollywoodianos, mesmo que à primeira vista se trate de um típico Western. Este mérito pode ser atribuído ao diretor que tem fama de ser independente e ousado.

O filme se passa na segunda metade do século XIX e conta a história de Willian Blake, que deixa sua cidade natal (Cleveland, onde recentemente tinha perdido seus pais, noiva e se desfeito de todos os seus bens) e parte em uma jornada em direção à cidade de Machine, situada no fim de uma estrada de ferro. Ele segue para esta cidade em busca de um emprego que lhe havia sido prometido em uma carta. Logo ele descobre, sob a mira de uma arma, que o emprego agora era de outra pessoa.

Após esta primeira desventura, Blake conhece uma linda mulher e com ela passa uma noite, porém novamente as coisas não saem do jeito esperado e ele deixa o quarto da jovem com uma bala alojada no corpo e dois cadáveres no aposento. A partir daí começa a jornada de Blake em direção à sepultura. Não só pelo fato de estar ferido, mas também porque agora é procurado pelo assassinato de uma mulher e do filho do dono da fábrica de onde ele havia sido expulso.

Em meio a estas desventuras, Blake é encontrado por um nativo-americano que tenta ajudá-lo, mas não consegue, pois a bala está muito próxima do coração. “Você matou o homem branco que te matou?” pergunta “Nobody”, já percebendo a situação de morte certa. Situação que só Blake parece não perceber: “não estou morto!” diz Blake. Juntos eles tentam fugir das inúmeras pessoas que agora procuram matar Blake (em busca da recompensa).

Dead man é um filme que definitivamente fala de morte, só que não a vemos no filme como estamos acostumados a ver em nossa sociedade. Apesar de sabermos que um dia o fim chegará para todos, sempre nos surpreendemos com sua chegada, gerando sentimento de perda, dor e tristeza. Esses sentimentos não aparecem em Dead man. Na película, a morte aparece como algo corriqueiro e sem valor.

O filme se passa na época da fundação da nação americana e nele também é abordada a questão da relação entre as culturas. Percebemos o estranhamento entre um cidadão “civilizado” e um “selvagem” através da figura dos personagens de Blake e Nobody. A relação entre os dois personagens é bem interessante, pois percebemos o grande choque entre as culturas. A morte aqui aparece em forma de destruição. Por diversas vezes vemos no filme cenas de aldeias indígenas destruídas pelo homem branco “civilizado”, que quase exterminou os povos nativos.

A película lembra as tragédias clássicas. Os personagens não têm controle sobre suas vidas, são guiados pelo “destino”. Ainda dentro do trem Blake é avisado que caminha para a sepultura e Nobody diz (confundindo o poeta com o moribundo) que os versos de Blake seriam escritos com sangue. Tudo dá errado para o personagem e ninguém escapa do fim trágico: a morte.

Título original: Dead man
Diretor: Jim Jarmusch
Duração: 121 min
Ano: 1995