quinta-feira, 8 de março de 2012

Acompanhar até a morte


Os dois outros filmes da temática Morte - Dead Man e A Partida - contam estórias de rituais em que se acompanha  alguém para a morte. Em Dead Man, o personagem de Johnny Depp, William Blake, é acompanhado por Nobody até a morte segundo os rituais do indígena. Já no filme A Partida, o personagem principal assume, como profissão, o ritual de acompanhar a família sobrevivente ao se despedir do morto. Em Hanami, de Doris Dörrie, também temos a imagem do acompanhamento até a morte, mas o filme alemão aborda o tema de maneira mais complexa.

Rudi e Trudi são um casal na terceira idade. Vivem num vilarejo na Bavária, sul da Alemanha, rodeados por montanhas com picos nevados. Para não dizer que as pessoas desse lugar são conservadoras, diremos que são "conscientes de sua tradição". Tanto, que o ideal para Rudi seria não mudar jamais, manter a rotina certa e segura, seguir o caminho traçado. O diagnóstico de que Rudi tem apenas poucos meses de vida não é dado a ele, mas à esposa. Em vez de preparar o marido para a iminência da morte, ela organiza uma visita a Berlim, para rever os filhos. Ela toma para si a tarefa de acompanhar o marido nos seus últimos momentos de vida e unir a família dispersa em torno do homem ao qual dedicou sua vida.

Saindo da paisagem bucólica do campo, a metrópole sufoca o casal com seu constante movimento, prédios, pixações, falta de tempo, casas pequenas, sotaque estranho. Não reconhecem os filhos, seus modos de vida, não entendem suas escolhas, não percebem que as comidinhas regionais trazidas na bagagem não agradam mais, sentem-se deslocados. Partem dali para a praia, mais ao norte. Passeiam pela praia, paisagem incomum para o casal alpino e decidem voltar para casa. Na manhã seguinte, a esposa amanhece morta.

Todos os filhos, inclusive o preferido (que mora no Japão) reúnem-se ali para se despedir da mãe. Rudi volta para a casa grande e vazia. Começa então a sua grande viagem de tentar entender a esposa morta. Finalmente ele se interessa pelos desejos da mulher de visitar o filho no Japão, ver o Monte Fuji, aprender butô. Leva os pertences da companheira falecida para o Japão e metaforicamente acompanha a esposa na descoberta desse mundo exótico.

Em Tóquio, o filho essencialmente trabalha. A paisagem de concreto e neon é mais opressiva que a de Berlim. A casa é menor, a língua um enigma completo. Largado à própria sorte, Rudi estranha tudo. Através de outra linguagem, consegue estabelecer contato com uma dançarina de butô. Através dessa dança que ele custa a assimilar, que lhe causava incômodo quando transformava a esposa, Rudi acompanha a mulher e arranja uma companheira no país desconhecido.

O filme abre com a declaração de Trudi que somente iria ao Japão se fosse acompanhada do marido. Por vias tortas, é isso que acontece: mesmo separados fisicamente, ela lhe faz companhia. E ao acompanhá-lo nessa viagem, abre ao marido uma nova forma de ver o mundo. Assim como vida e morte fecham um ciclo, hanami, a festa das cerejeiras em flor, ápice da primavera nipônica, encerra a estória triste, mas bela de pessoas que caminham juntas enquanto têm tempo.

É possível identificar no filme alguns caminhos e lugares concretos e metafóricos. Do vilarejo em que os destinos das pessoas costumam ser predestinados (o filho do padeiro será padeiro, o bastardo pobre não vai se casar com a filha do fazendeiro) saem os filhos. Seus caminhos os levam para cidades grandes e modernas, onde descobrem um mundo novo e uma vasta paleta de possibilidades de como conduzir suas vidas. Segundo a tradição, o lugar de Trudi é ao lado do marido, mas ela se encanta pelo lugar escolhido pelo filho preferido. O marido só percorre o caminho ao país desconhecido quando da esposa restam apenas memórias. Os desejos da esposa o acompanham a um lugar em que convivem tradição e tecnologia.


Título Original: Kirschblüten - Hanami.
Origem: 
Alemanha / França, 2008.
Direção: 
Doris Dörrie.
Roteiro: 
Doris Dörrie.
Produção: 
Harald Kugler e Molly Von Furstenberg.
Fotografia: 
Hanno Lentz.
Edição: 
Frank C. Muller e Inez Regnier.
Música: 
Claus Bantzer.