quarta-feira, 27 de julho de 2011

Antes que o círculo se feche


Desde o Iluminismo, sociedades urbanas concebem o tempo como uma linha. O tempo presente é o momento que coloca os eventos passados atrás de si e os eventos futuros à sua frente. Sociedades rurais pensavam o tempo como um círculo que se fecha e se renova conforme as estações (do plantio, das chuvas, da colheita, das festas, da seca etc.).

No cinema, uma maneira bastante comum de subverter a linearidade do tempo é mostrando flashbacks. Os flashbacks são introduzidos na linha da narrativa, mas são marcados através de filtros de cores, por exemplo, ou uso de outros tipos de película. Essas marcas mostram ao espectador que a linha do tempo foi suspensa e que o que é narrado daquele modo visual diferente é uma fuga da cronologia.

O filme macedônio Antes da Chuva (1994) é, até onde sabemos, o primeiro a subverter a ordem cronológica da narrativa sem recorrer aos flashbacks, editando a ordem dos eventos em três estórias: Words, Faces, Pictures. As três estórias formam um círculo que não se fecha. Amnésia, de 2000, embaralha a ordem dos eventos para criar o efeito de confusão criada pela amnésia do protagonista. 21 gramas, de 2003, repete a fórmula de Amnésia.

Antes da Chuva é um filme muitíssimo premiado não só pela sua edição do tempo, mas pelas possibilidades de interpretação que oferece. Durante a guerra da Bósnia, um fotógrafo renomado, residente na Inglaterra, volta à sua terra natal depois de 16 anos e é confrontado com a violência das disputas locais. Mas não é assim que o filme começa.  

Words conta a estória de uma moça albanesa que vai se refugiar dos vizinhos cristãos no monastério e acaba sendo protegida pelo monge que fez voto de silêncio. Além de ele não dizer nenhuma palavra, os dois pertencem a línguas diferentes. Faces conta a estória da amante (inglesa) do fotógrafo que está grávida do marido. Ela estranha tanto o marido quanto o amante modificado pela violência registrada na guerra da Bósnia. Pictures conta a estória do fotógrafo que tenta se refugiar da guerra e da retidão britânica na Macedônia. Chegando lá, é confrontado com a velha disputa entre os albaneses (vizinhos) e ortodoxos (a família). A garota albanesa que seus familiares estão caçando refugia-se no monastério.

Durante o filme, a frase "O tempo nunca morre, o círculo nunca se completa", é repetida três vezes. A estória não se fecha, (antes progride em forma de espiral) mas o círculo de violência faz com que o filme permita essa reflexão sobre a circularidade.

Directed by Milčo Mančevski
Produced by Marc Baschet
Written by Milčo Mančevski
Starring Katrin Cartlidge
Rade Serbedzija
Music by Anastasia
Cinematography Darius Khondji
Editing by Nicolas Gaster
Distributed by Mikado Film
Release date(s) Italy 1 September 1994 (premiere at VFF)
United States 24 February 1995
United Kingdom 11 August 1995
Running time 113 minutes
Country Republic of Macedonia Macedonia
United Kingdom United Kingdom
Language Macedonian
English
Albanian

domingo, 17 de julho de 2011

De tempos em tempos

A definição de tempo, segundo os dicionários, é dada como a sucessão de anos, dias, horas, que envolve a noção de presente, passado e futuro. Ou ainda é definido como o momento ou ocasião apropriada para que uma coisa se realize. O que sabemos é que o tempo é uma questão fundamental para a nossa existência e que pode ser percebido através dos fenômenos da natureza (transição do dia para a noite, a mudança nas marés, observação dos astros, as fases da lua). A passagem do tempo pode ser percebida sem estar baseada necessariamente na percepção da realidade material, mas também pela maneira como a vida é compreendida pelo indivíduo. Tomando como ponto de partida algumas destas reflexões ,damos início a mais uma temática no cineclube: Tempo. Exibiremos no SESC dois documentários e dois curtas: Ãgtux, Jornada Kamayurá, A Janela Aberta e Entre Paredes.

O documentário Ãgtux (que significa “contar histórias” no idioma Maxakali) apresenta um pouco da cultura da etnia Maxakali que habita o vale do Mucuri em Minas Gerais. No documentário, são contadas algumas mudanças que ocorreram ao longo do tempo. Depois da guerra para obter a posse definitiva de suas terras, receberam terras devastadas pelos fazendeiros que desmataram a floresta para fazer pastos para o gado. Os índios continuam com o hábito de caçar, mas a caça mão é mais a mesma, agora as presas são bois e galinhas, eles também preservaram o hábito de pintar o corpo, mas não usam mais o genipapo e sim tintas industriais. A perspectiva de tempo que vemos neste filme é a resistência dos indígenas que sobreviveram até hoje. Este documentário não tem um narrador, nem um fio narrativo, de modo que a linha do tempo se dilui na contemplação de imagens.
 Jornada Kamayurá apresenta um dia na vida da etnia Kamayurá que vive no o Alto Xingu, próximo à Lagoa de Ipaivu. Quando o sol nasce, os homens e meninos saem em busca da caça enquanto as mulheres e meninas são responsáveis pela preparação do alimento. Neste documentário, a visão de tempo que temos é de um tempo biológico: os índios dormem no fim da tarde e vivem conforme o tempo da natureza.
No curta A Janela Aberta, observamos o entrelaçamento do tempo cronológico com o tempo psicológico através da história de um homem que está prestes a dormir e tenta se lembrar se fechou ou não a janela. Por causa desta simples dúvida, a mente turbulenta do personagem faz uma viagem em sua memória para tentar responder a questão e acaba revivendo e embaralhando vários dias. O passado e o presente se misturam de forma brilhante na história. A maneira de filmar (cortando, acelerando e parando o vídeo) sustenta a confusão temporal do personagem.
No curta metragem Entre Paredes é apresentada a história de um casal de vida simples. O marido é dominado pelo ciúme que logo se transforma em paranóia. Novamente temos o tempo psicológico dominando o personagem que é conduzido pelos pensamentos paranóicos que aceleram ou deixam as cenas mais lentas. Esse artifício é valorizado pela edição do filme que passa algumas partes do video mais rápidas que outras. A trilha sonora deste curta feita por Naná Vasconcelos é um espetáculo a parte, dando um efeito especial nas cenas de paranóia do personagem (o tempo da música acelera nos momentos de delírio do personagem, fazendo com que quem assiste ao curta seja conduzido pelas emoções alucinadas vividas pelos personagens, sentindo-se também sufocado, preso, entre paredes.)
Através dos filmes, temos algumas percepções de como o tempo pode ser percebido e entendido de várias maneiras, seja de forma cronológica, psicológica ou biológica. O que não se pode negar é que o tempo está passando e nenhum de nós pode deixar de acompanhá-lo.

Ficha técnica:
Título: Ãgtux
Duração: 22 min
Ano:2005
Direção: Tânia Anaya

Título:Jornada Kamayurá
Duração: 12 min
Ano: 1966
Direção: Heinz Forthmann

Título: A Janela Aberta
Duração: 10 min
Ano: 2002
Direção: Philippe Barcinsky

Título: Entre Paredes
Duração: 15 min
Ano: 2004
Direção: Eric Laurence

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Projeto aprovado

O nosso projeto de extensão universitária cineclube deLírio foi aprovado (yuhu!), concedendo inclusive duas bolsas (ufa!), conforme pedimos (yeah!!!). Isso significa que continuamos exibindo quatro filmes por temática na Unir Campus (toda sexta às 17:00) e no Sesc (toda penúltima terça-feira do mês às 20:00).

Até segunda ordem, as temáticas são:

  1. Meio Ambiente (encerra essa semana)
  2. Tempo
  3. Obsessão
  4. Morte
  5. Cinema & Literatura
  6. Solidão
  7. Liberdade
  8. Música - provavelmente outra dose de Chico
  9. Revolução
  10. Pós-Modernidade

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Carrocracia

O mapa da violência 2011, publicado em fevereiro, indica que as mortes em acidentes de trânsito aumentaram 32,4% entre 1998 e 2008. Outro estudo mostra que a maioria das vítimas fatais de acidentes de trânsito são homens entre 20 e 39 anos. Envolvidos são: álcool e alta velocidade. São tratados como acidentes, não como homicídios, imprudências ou imperícias. Em tese, não existem acidentes, já que o trânsito deveria seguir regras conhecidas por todos os agentes de trânsito (= todas as pessoas que fazem trânsito: pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas).
Por que as pessoas continuam comprando carros? O trânsito é um campo de batalha sangrento. Para cada morto no trânsito, há 50 feridos. E ferimentos ocasionados por latas em alta velocidade são incapacitantes. As armas são os motores, as armaduras são os vidros escuros que garantem o anonimato.
Por que as pessoas acham que precisam de um carro individual? Um carro é como se fosse a casa que a pessoa pode levar consigo. Porque há carros para todos os bolsos, eles representam o status social do dono do veículo. Dentro do carro, o motorista pode guardar suas coisas, ouvir sua música, se proteger da chuva ou do sol, comer, dormir e até transportar coisas e pessoas. O transporte acaba sendo o último critério, já que um carro individual é muito mais que isso: é sinal de sucesso profissional.

Com o sucesso, vem o prazer. O dono do automóvel diz que tem prazer de dirigir, apesar do stress no trânsito, da raiva que ele sente pelos outros agentes de trânsito, dos assaltos, da solidão entediante e dos radares castradores. O prazer de dirigir vem da sensação de poder sobre a máquina que ele controla e da sensação de velocidade que máquina atinge. Motoristas de táxi e ônibus, segundo Fé em Deus e pé na tábua, de Roberto DaMatta, não sentem prazer em dirigir. Dirigir é a sua profissão, e sua profissão envolve transportar pessoas.
O trânsito brasileiro não é feito de pessoas. O ciclista e o pedestre, por exemplo, não são vistos como pessoas, mas como obstáculos. No entanto, um obstáculo como uma caçamba cheia de entulho, por exemplo, é sempre contornado com boa margem. No mesmo livro, Roberto DaMatta defende a tese de que o trânsito brasileiro não é feito de iguais, submetidos ao mesmo Código de Trânsito Brasileiro, mas é hierarquizado. O motorista vê todos os outros agentes de trânsito ou como superiores (carros importados e grandes: ônibus) ou como inferiores (carros velhos, ciclistas, carroceiros, pedestres). O darwinismo selvagem da segregação natural ignora que o CTB é para todos e que o mais frágil tem preferência sobre o mais forte.

Além de ser uma das maiores causas de morte violenta no Brasil, o carro polui. Sua produção polui, seu uso polui, seu descarte polui. Não existe carro ecológico. Carros demandam asfalto. Asfalto impermeabiliza o solo. São Paulo sabe bem o que é isso: alagamentos. Carros custam caro para serem adquiridos e mantidos. Carros ocupam espaço público. Estacionamentos custam dinheiro, espaço e impermeabilizam o solo. Estacionar um carro na rua é equivalente a colocar um sofá numa vaga: os dois são bens privados ocupando um espaço que é de todos - e mais: um lugar de passagem.

Para fechar a temática Meio Ambiente, escolhemos três documentários feitos por paulistas sobre o trânsito (a maior queixa sobre a cidade), carros e bicicletas. O maior poluidor atual são as minas de carvão. O segundo maior são os carros. Não só a queima de combustível polui, mas a sua produção, a estrutura viária que ele demanda e o seu descarte. Por fim, o carro altera drasticamente as relações humanas.

Thiago Benicchio e Branca Nunes fizeram o documentário de 39 minutos Sociedade do Automóvel como trabalho de fim de curso em 2005. O filme bombou no meio alternativo e cicloativista - mesmo porque o Thiago é participante ativo da bicicletada de São Paulo há anos.

O Desafio Intermodal é uma gincana que acontece todo ano em São Paulo no Dia Mundial Sem Carro (22 de setembro). O desafio é fazer os 10 km em menos tempo e poluindo menos - em diferentes modos de transporte. Nessa quarta edição, a bicicleta ganhou até do helicóptero.

Cidades para Pessoas foi feito por Natalia Garcia. O objetivo do projeto é mostrar como planejamento urbano é importante para uma boa qualidade de vida de cidadãos. Cidadão é diferente de consumidor. O consumidor é o indivíduo querendo consumir para subir na hierarquia, isolando-se dos outros. O cidadão é o sujeito atento para o seu ambiente, consciente de seus direitos e deveres.

Coincidência ou não, os três vídeos foram elaborados por jornalistas que fizeram da bicicleta o seu meio de transporte principal.

ESPN Brasil - Desafio Intermodal 2009
Renata Falzoni
duração: 4' 49''
Brasil, 2009

Cidades para pessoas
www.cidadesparapessoas.com.br
Natalia Garcia
duração: 6' 51''
Brasil, 2011

Sociedade do Automóvel (Automobile Society)
Branca Nunes e Thiago Benicchio

www.ta.org.br/sociedadedoautomovel
Brasil, 2005 - duração: 39'