terça-feira, 3 de abril de 2012
Minha casa, minha língua
Em Casa Vazia, do koreano Kim Ki Duk, acompanhamos a estória de um sujeito que leva um estilo de vida peculiar. Nosso herói não tem nome, não tem endereço fixo, não tem emprego, não pede nada a ninguém. Sua técnica para sobreviver sem ser notado é engenhosa: passa o dia colando volantes com propagandas de comida etc. nas maçanetas de portas de casas e de noite entra naquela casa de onde a propaganda não foi removida. Estas costumam ser casas temporariamente vazias porque seus habitantes viajaram.
O protagonista não ocupa a casa por muito tempo. Come o que tem na geladeira, lava a roupa que tem no cesto, usa a escova de dentes que tem na pia, conserta o relógio, o rádio, a balança, dorme no sofá e parte no dia seguinte. Casas grandes, pequenas, em bairros nobres ou pobres, tanto faz: ele ocupa a casa que estiver vazia. Lá dentro, tira fotos de si ao lado de imagens das pessoas ausentes.
Solidão não se confunde com o sentimento de abandono, antes se liga à escolha de isolar-se e o desejo de mudança. O personagem principal escolhe ocupar as casas dos outros quando eles não estão. Ele escolhe não voltar para o mesmo lugar, não ter um lugar que representa a si mesmo. Ele escolhe não ter com quem conversar.
Numa casa, no entanto, há alguém. A moça que foi agredida e abandonada pelo marido percebe a presença do outro e acompanha seus movimentos pela casa sem ser vista. Numa dança de sombras, ela aprende com o estranho a arte de ocupar o espaço da intimidade alheia. Juntos, eles passam a ocupar casas e viver diversas aventuras (numa casa, são pegos dormindo; em outra casa, encontram um defunto etc.) sem, no entanto, trocar qualquer palavra. O pacto deles é forte, assim como o silêncio.
A proposta do cineclube é exibir filmes de acordo com algumas temáticas, de modo que possamos repensar os temas a partir dos filmes. Em Casa Vazia, temos, numa visão superficial, uma grande história de amor de duas pessoas em tão perfeita sintonia, que não precisam da linguagem verbal para se comunicar. Também numa visão superficial, um casamento não dá espaço à solidão. Numa visão menos superficial, percebemos que a modelo que vive numa mansão é tratada pelo marido como se fosse um objeto de difícil manuseio. Ela se sente como indica a balança quebrada: pesando 110kg. Para ela, o moço que conserta a balança significa uma possibilidade de mudança. Na cena final, contemplamos a leveza do amor dos dois. Mas em relação ao marido, ela se encolhe no silêncio. Não responder é uma escolha.
Não nos espantamos que um recém-nascido seja capaz de reconhecer, dentre todos os sons e ruídos que capta, a fala humana. Não estranhamos que somos compelidos a falar com bebês, plantas ou animais - mesmo que não tenhamos garantia de que somos compreendidos ou teremos resposta. Fazemos ligações com outras pessoas através da linguagem. Investimos horas (conversando ao vivo ou no telefone, escrevendo ou lendo cartas, e-mails, mensagens etc.) na comunicação através da linguagem, seja in presentia, ou absentia. Falamos muito, falamos sem pensar, falamos o que não devia ser dito, jogamos papo fora. Aprendemos e ensinamos através da linguagem, valorizamos quem se expressa bem e quem fala o que pensa. Optar por não falar é uma maneira de isolar-se. Assim como a casa dá pistas sobre a identidade de uma pessoa, a língua dá pistas de sua identidade. Como criar laços com uma pessoa que não mostra a sua identidade?
(Bin-jip, 2004)
• Direção: Ki-duk Kim
• Roteiro: Ki-duk Kim
• Gênero: Drama/Romance
• Origem: Coréia do Sul/Japão
• Duração: 88 minutos
• Tipo: Longa-metragem
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