Por Paulo Morais
“Não acredito que se deva dedicar a
vida à morbidez do egocentrismo. Acredito que alguém deve se tornar uma pessoa
como as outras”. A partir destas ruminações, o protagonista do filme Taxi Driver (1976), do diretor
Martin Scorsese, oferece elementos úteis para reflexões acerca da solidão, uma
condição da existência de todos os seres humanos, que se mostra particularmente
dramática nos “animais da noite” que circulam pelas ruas das grandes cidades. No
final do século XIX, William James escreveu que as rupturas entre os
pensamentos humanos são as mais absolutas da natureza, “nem contemporaneidade,
nem proximidade espacial, nem similaridade de qualidade ou conteúdo são capazes
de fundir os pensamentos”. A estranheza generalizada e os pequenos
mal-entendidos presentes em quase todos os diálogos triviais ou significativos que
Travis Bickle (Robert De Niro) mantém ao longo do filme são exemplos desta
ruptura intersubjetiva. Seja por ser mal compreendido pelos outros, seja por
ser incapaz de perceber o mundo a partir de uma perspectiva diferente da sua, Travis
alterna momentos de empatia com situações nas quais a linguagem usada
compartilha somente a mesma gramática e foge-lhe uma semântica comum.
É por meio das sutilezas da linguagem
(verbal ou não verbal) que os pensamentos de uma pessoa podem se tornar
parcialmente acessíveis ao pensamento de outra pessoa, mas os diálogos e
monólogos do filme mostram a condição de isolamento vivenciada pelos habitantes
das grandes cidades que, a despeito de falarem o mesmo idioma, não compartilham
os mesmos significados e, ao tentar romper o isolamento, se afastam cada vez
mais. Nas situações corriqueiras como, por exemplo, ao comprar doces e refrigerante
em um cinema pornô, e também nas relações interpessoais significativas com a
prostituta mirim Iris (Jodie Foster) ou com Betsy (Cybill Shepherd), Travis e seus
interlocutores são incapazes de minimizar a ruptura entre os pensamentos e
promover a aproximação intersubjetiva e o diálogo autêntico capaz de antagonizar o isolamento descrito por James.
O roteirista do filme, Paul Schrader,
afirmou que a profissão de motorista taxi foi o modo encontrado para
representar a solidão típica dos centros urbanos, na qual a pessoa se percebe
isolada mesmo com uma enorme quantidade de outras pessoas ao seu redor. Mesmo
para um animal que, nas palavras de Dostoiévski, se adapta a tudo, a densidade
populacional das grandes cidades, associada à qualidade precária da maior parte
das relações interpessoais dos seus habitantes, é um fator de risco para a
saúde dos seres humanos. Na tentativa de adaptar-se a um meio hostil, o animal
humano, dotado de autoconsciência, naturalmente narcísico e só parcialmente gregário,
se vê obrigado a executar a difícil tarefa de “se tornar uma pessoa como as
outras” (que é uma estratégia útil para o indivíduo reduzir as chances da sua exclusão
social) ao mesmo tempo em que precisa se firmar, a todo instante da vida, como uma
pessoa única e diferente de todas as outras pessoas que existe (que é a
consequência natural de possuir autoconsciência).
Apesar de negar os aspectos patológicos
associados à idolatria das próprias características e acreditar que o indivíduo
deva se adequar às demais pessoas, Travis, um ex-fuzileiro-naval exposto à
incomunicabilidade e solidão da metrópole cosmopolita, se torna um motorista de
taxi (em qualquer lugar e a qualquer hora) que deseja somente “trabalhar por
muitas horas” para preencher suas noites de insônia. No entanto, as
características de tal profissão contribuem para que Travis se torne o
expectador egocêntrico de um mundo perverso e corrupto. Após “abater-se pelas
coisas”, Travis deixa a condição de mero expectador e decide mostrar aos sacanas
nojentos e aos animais da noite que ele é um homem que não aguenta mais, que é
um indivíduo capaz de se opor à decadência e ao lixo da grande cidade. E, na
solidão daquilo que parece ser os seus últimos pensamentos, Travis se torna o
herói dos jornais, recebe uma carta de gratidão dos pais de Iris, revê os
amigos, tem um breve, mas autêntico, diálogo com Betsy e se vai, solitariamente
dirigindo seu taxi por entre os painéis de neon das avenidas da grande cidade.
Taxi Driver
1976
Martin Scorsese
Robert De Niro, Jodie Foster, Cybill Shepherd
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