Por Paulo Morais
Para
o poeta mexicano Octavio Paz, a liberdade não é uma filosofia, mas um movimento
da consciência que, em certos momentos da vida, leva o indivíduo a pronunciar
um destes dois monossílabos: “sim” ou “não”. Dito desta maneira, parece que o ato de escolher
uma destas palavras é uma tarefa fácil. Como pode ser visto em vários momentos
do filme Pra frente Brasil (Roberto
Farias, 1982), até as escolhas aparentemente irrelevantes, como dividir uma
corrida de táxi com outra pessoa, são acompanhadas de consequências. Diferente
dos outros animais, o primata bípede com seu grande córtex cerebral não é somente
o resultado daquilo que o seu código genético está programado a ser. Ao
contrário dos outros animais que não têm outra alternativa senão viver da
maneira que estão naturalmente destinados a viver, a vida dos seres humanos não
é a simples repetição dos padrões da espécie. Por meio de “sins” e “nãos”, cada
indivíduo é livre para inventar e escolher sua forma de vida e o seu destino,
mas a metafísica envolvida na tarefa de escolher um destes dois monossílabos é
tão complexa que escolhemos até quando nos esquivamos de escolher ou deixamos
que outros escolham por nós.
Durante a copa do mundo de 1970,
época em que o Brasil apresentava índices inéditos de crescimento econômico e o
governo do presidente Médici instaurava um clima de perseguição e terror aos
opositores da ditadura militar, Jofre G. Fonseca (Reginaldo Faria), um cidadão,
trabalhador e pagador dos seus impostos, bom pai, bom marido, mas sonso demais
e tão débil mental quanto tantos outros trabalhadores da recém-criada classe
média brasileira, é sequestrado por membros de uma milícia e torturado até a
morte. Enquanto seu irmão e sua esposa tentam encontrá-lo, os diferentes
personagens deixam claro que o regime ditatorial não foi mantido somente pela
força dos golpistas, mas pelo comodismo e indiferença daqueles que eram livres
para dizer “sim”, quando escolheram dizer um cômodo ou medroso “não”.
Se, em 1970, pessoas morriam e não
saía nos jornais por causa da censura, às vésperas da copa de 2014, os jornais
não precisam ser censurados. O Estado já não precisa maquiar as notícias que
falam das desigualdades e injustiças sociais, da vergonhosa concentração de
renda, da flagrante exploração da pobreza ou das mortes causadas pelo descaso e
corrupção governamental. Inebriada pelo sentimento ufanista gerado pelas facilidades
de crédito, religiões empresariais, distrações midiáticas, marketing diuturno e
crescimento econômico fundado em capital especulativo, a brava classe média
brasileira se esconde atrás das grades de sua jaula domiciliar e, distraída e
cansada, esquece que tem a liberdade de refletir: “Que direito, meu Deus? O que
eu tô fazendo aqui? [...] Eu sou uma pessoa comum, com emprego, documento,
família e pago imposto. Ninguém tem direito de fazer isso comigo”.
Como preconizado na música Panis Et Circenses (Os Mutantes), dois
anos antes da copa de 1970, os escravos-felizes, cômodos em frente a TV na sala
de jantar, estavam ocupados em nascer e morrer (como qualquer outro animal não
humano), enquanto pessoas perdiam suas vidas por insistirem em ser livres para
dizer “não” aos torturadores que lhes exigiam respeito nos porões do DOI-CODI.
Ano: 1982
Direção: Roberto Farias
País: Brasil
Duração: 105 min.