sexta-feira, 11 de maio de 2012

Níveis de liberdade


A peça de teatro de autoria de Bosco Brasil Novas diretrizes para tempos de paz foi transformada em filme por Daniel Filho: Tempos de Paz. A narrativa se passa em 1945, depois do fim Segunda Guerra, quando aporta no Brasil um navio carregado de imigrantes. Um deles, o senhor Klausewitz (Dan Stulbach, altamente convincente no papel de imigrante autodidata), já chamava atenção de uma polonesa no navio. (Mas quem não entende polonês fica a ver navios nessa parte, porque não há legendas.) Na alfândega, Klausewitz chama atenção das autoridades: não tem bagagem, se diz agricultor e recita um poema de Drummond.


Suspeito de ser espião nazista, Klausewitz é retido e interrogado por um agente da polícia política de Getúlio Vargas, Segismundo (Tony Ramos, em atuação esplendorosa). Estranhando que o estrangeiro fale português, Segismundo sugere propina, mas o polonês não tem nada a oferecer além de suas memórias. O agente propõe um trato: se as memórias do pretenso agricultor o comoverem às lágrimas em dez minutos, ele carimba seu salvo-conduto. 


Klausewitz tinha desistido de ser ator na Europa devastada pela guerra e via no Brasil e na língua portuguesa a liberdade. Logo depois de aportar no lugar que lhe daria uma nova vida, é arbitrariamente detido. Sua liberdade depende de um agente que se revela ex-torturador.


Um aspecto da liberdade é este, ligado ao direito de ir e vir. Assim, o cárcere é o lugar da não-liberdade. Mas a liberdade apresenta outras facetas.


Segismundo e Klausewitz alternam monólogos em que reavivam suas memórias. Ambos concluem que não fizeram uso do livre-arbítrio em suas vidas. Segismundo sempre seguiu ordens, nunca se deu o direito de escolher por conta própria compadecer-se dos outros. Klausewitz sempre esteve presente em todas as desgraças da guerra, mas nunca fez nada: esteve presente quando seu ídolo morreu, quando sua esposa morreu, quando encontraram o corpo de seu pai, quando sua vida desmoronou com os bombardeios. A segunda faceta da liberdade é o livre-arbítrio: a liberdade de escolha.


Durante a interação, Segismundo deixa claro que a ficção não faz parte de sua vida. Nunca foi ao teatro, não reconhece Drummond como escritor, não se fala de cinema. Klausewitz, no entanto, mistura ficção e realidade. Porque na ficção ele tem a liberdade, tem uma fuga da realidade. A terceira faceta da liberdade é a ficção, o universo semelhante à realidade, que se confunde com ela, mas não é real. 


Por fim, temos a liberdade sendo discutida na Literatura. A parte de sua fala que comove o ex-torturador é um trecho de uma peça teatral, em que o personagem se questiona como pode ter mais instinto que uma ave, no entanto menos liberdade que ela; mais alma que uma fera, no entanto menos liberdade; mais escolha que um peixe, no entanto menos liberdade; mais vida que um riacho, no entanto, menos liberdade.






Ficha técnica:


Tempos de Paz
Brasil, 2009
Drama
Direção:
Daniel Filho
Roteiro:
Bosco Brasil
Elenco:
Tony Ramos, Dan Stulbach, Daniel Filho, Louise Cardoso, Ailton Graça

Um comentário:

Camila disse...

Eu vi esse filme há alguns anos atrás e é muito bom. Ontem eu tive uma reunião com meus amigos e, enquanto estávamos a pintar as unhas com opi eu recomendei este filme. Beijos