terça-feira, 14 de setembro de 2010

Nada vem do nada: um passeio por good copy bad copy

 
Por Ninno Amorim

Os responsáveis pelo Cineclube DeLírio reuniram-se para discutir os filmes que entrariam na temática “Revolução”. Numa perspectiva mais sociológica clássica, filmes como Good Copy Bad Copy não seriam exibidos dentro dessa temática. O conceito de revolução convencional fala de transformações nas estruturas de poder de uma sociedade. O que aconteceu então? 

Antes de responder, quero lembrar que durante muito tempo “revolução” designava os movimentos bruscos dos astros, que passeavam pela galáxia indiscriminadamente provocando desespero nos primeiros pensadores que tentavam entender o seu funcionamento. Foi Hannah Arendt quem nos orientou sobre a mudança no conceito de revolução ocorrida após a queda da bastilha em 1789. De uma explicação da mudança dos astros para uma mudança brusca nas estruturas de poder de uma sociedade, uma revolta, uma reorganização da vida orientada por ideais iluministas (utópicos?).
 
Um olhar mais atento perceberá a revolução apresentada no documentário de Andreas Johnsen, Ralf Christensen e Henrik Moltke. Uma revolução que mexe sim com as estruturas de poder. Do poder de criar e veicular a criação livre dos autoritarismos presentes nas leis de direitos autorais. “Mas isso não atinge um número significativo de pessoas para ser chamado de revolução”, diria um cientista social clássico do início do séc. XX. Como contra-argumento ao virtual cientista citado, arranquei um episódio vivido em meados dos anos 1990 para pensar a revolução de que fala GCBC.
 
Em 1995, um amigo estreante na carreira de pequeno empresário adquiriu um aparelho de telefone celular. Era um troço enorme para os padrões atuais, pesado, com antena e tudo. Algumas pessoas tinham vergonha de atender o recém-chegado “celular”, porque poderia soar esnobe usar algo tão avançado, tão caro, tão tão; diante de uma plateia de miseráveis e famintos de tudo. Recordo que antes mesmo de chegar o esperado ano 2000, o telefone celular já fazia parte da vida de muita gente. Que reflexão podemos fazer a partir dessa historinha? Naquela época "todo mundo" achava que demoraria uns 30 anos para que os celulares se tornassem populares. 

O que "todo mundo" pensa hoje sobre as possibilidades de construção colaborativa do conhecimento, da arte, das tecnologias? No decorrer do documentário, muitas pessoas apresentam seus pontos de vista sobre criatividade, propriedade intelectual, compartilhamento pela internet etc. Aparecem tanto os ciberativistas quanto os defensores da indústria cultural que alega ter prejuízos com a nova indústria cultural. Termos como sampler, download, upload, bit torrent, creative commons ('criei tive como', em português do Brasil!), copyleft (em oposição direta ao copyright), entre outros, são recorrentes em todo o documentário. Tais termos indicam que há algo acontecendo de novo no mundo da criação artística. Brotam reclamações, processos, cancelamento de sítios eletrônicos, fechamento de provedores de internet, por todos os lados. É certo que isso está incomodando. Chamam de “pirataria”. Um dos sujeitos que aparece no filme, representante de Hollywood, chega a definir o conceito: segundo ele, “pirataria é a apropriação inautorizada e sem compensação de propriedade intelectual”. O DJ Girl Talk defende-se com uma pergunta provocativa: “porque perseguir alguém que claramente só está tentando fazer música?” O fio condutor do filme é uma discussão sobre a construção colaborativa do conhecimento, o que certamente incomoda os interesses de quem ganha com a privatização dos saberes.

O que entendemos por criatividade? A constituição dos EUA fala em proteger os direitos dos criadores, mas o que isso significa? Até que ponto a justiça, com sua emblemática imagem de olhos vendados, alcança os seus propósitos de “proteger os criadores”? Os argumentos de alguns entrevistados caminham no esclarecimento dessas questões. Dr. Lawrence Ferrara, por exemplo, sobre as noções de propriedade intelectual e direitos autorais, pergunta: “quem é o dono? E do quê? Qual a função do direito autoral?” Representantes da indústria alegam que “as coisas ficaram fora do controle”. Controle de quê (quem)?

Créditos:
Good Copy Bad Copy – documentário, 2007
Um filme de Andreas Johnsen, Ralf Christensen e Henrik Moltke
Disponível para download em:
59 minutos, áudio em vários idiomas, com legendas em português e inglês.
Saca aí quem aparece no filme:
DJ Girl Talk
Dr Lawrence Ferrara, Diretor do Departamento de Música da NYU
Paul V Licalsi, Advogado de Sonnenschein
Jane Peterer, Bridgeport Music
Dr Siva Vaidhyanathan, NYU
Danger Mouse, Produtor
Dan Glickman, Presidente da MPAA
Anakata, The Pirate Bay
Tiamo, The Pirate Bay
Rick Falkvinge, The Pirate Party
Lawrence Lessig, Creative Commons
Ronaldo Lemos, Professor de Direito FGV Brazil
Charles Igwe, Produtor cinematográfico - Lagos Nigeria
Mayo Ayilaran, Sociedade de Direitos Autorais da Nigéria
Olivier Chastan, VP Records
John Kennedy, Presidente da IFPI
Shira Perlmutter, Diretora de Política Global da IFPI
Peter Jenner, Sincere Management
John Buckman, Gravadora Magnatune
Beto Metralha, Produtor em Belém do Pará
Dj Dinho, Aparelhagem Tupinambá Belém do Pará

Um comentário:

Mariana Marques disse...

Lendo a resenha lembrei que o Oswald de Andrade publicou o Serafim Ponte-Grande com o seguinte dizer: "Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas - São Paulo - 1933."


Um revolucionário, sem dúvida.

Gostei de ver outra perspectiva sobre revolução.

To sem ideia sobre como continuar esse comentário, só queria jogar o Oswald mesmo, que é para ver se a revolução ultrapassa o filme.

Então acho que fim.