terça-feira, 26 de abril de 2011

O outro lado do Muro



Psicodélico, reflexivo e simbologicamente complexo, o longa metragem The Wall, dirigido por Alan Parker, com o roteiro e uma pitada autobiográfica do baixista Roger Waters é considerado um musical pelo fato do enredo do filme ser interpretado pelas músicas contidas no conceituado álbum The Wall (1979) da banda inglesa Pink Floyd; embora seu conceito não seja tão facilmente assimilado nas primeiras audições.

Inicialmente, a grande inspiração para o baixista compor a maioria das músicas do álbum foi um incidente que ocorreu durante um show em 1977 da turnê do Animals. Ele cuspiu na cara de um jovem que invadiu o palco. Esse foi o grande ápice que o tornou introspectivo, e construtor do abstrato muro metafórico,  que estabelecia uma barreira entre o artista e seu público alienado.

Em 1982, a criação acaba por se tornar o roteiro do homônimo The Wall, juntamente com as fantásticas animações que ficaram por conta do desenhador britânico Gerald Scarfe, que as assimilou com a trajetória não tão linear vivida pelo personagem Pink, dono de uma vida repleta de memórias.

Quem vê o filme pela primeira vez, às vezes não atenta para as ricas metáforas escondidas numa verdadeira produção psicodélica. Porém, The Wall faz refletir literalmente sobre nossos próprios muros, impregnados da repressão, da alienação e do isolamento que a própria sociedade nos constrói. Tais interpretações são confirmadas ao analisarmos a vida de Pink, um rock star frustrado, oprimido desde sua infância. Por conta da guerra, perde seu pai (referência à morte do pai do baixista Roger Waters), e consequentemente é superprotegido pela mãe, o que causará efeitos pelo resto de sua vida, tornando suas perspectivas negativas e posteriormente traumáticas.

Criticando o modelo autoritário e manipulador da educação tradicional inglesa, Pink é repreendido no momento em que está escrevendo poemas pelo professor que os lê em voz alta (trechos da música Money), oprimindo-o mais ainda. A cena seguinte, dos alunos igualmente marchando em direção à máquina moedora de carne, todos com o mesmo rosto, critica a alienação forçada, a falta de identidade, a repressão a que os estudantes se submetiam para com seus rígidos professores, assim como diz na música: “são apenas tijolos no muro”. E Pink, ao crescer, continuou sendo este ser indiferente, reprimido e depressivo. Traído pela sua esposa devido às pressões por ser um rock star, Pink se afunda em sua própria melancolia e tenta o suicídio. Essa melancolia mais tarde resulta na sua loucura: ele raspa todos os pêlos do corpo (referência a Syd Barrett, ex-membro da banda Pink Floyd) sob efeito de drogas, alucina ser um ditador neonazista, extremamente lunático que desrespeita qualquer diferença e em seguida é aclamado pelos seus aliados. Tal encenação é feita sob o fundo musical de In the flesh e Run like hell, talvez com o embasamento de liberdade, de sair do isolamento e expressar os sentimentos até então reprimidos. Novamente podemos ver as máscaras de botão no rosto das pessoas ("É melhor você colocar aquele seu disfarce favorito, com os olhos cegos de botão..."), representando a alienação.

De forma geral, o filme é extremamente artístico tanto pela sua musicalidade quanto pela sua produção, o que nos leva a refletir que os conceitos de alienação e isolamento da sociedade estão presentes o tempo todo e são unânimes. Waters construiu seu personagem a partir de fatores que ocorreram na vida de Pink: perda do pai na guerra, mãe superprotetora, regime escolar rígido, traição da esposa, rock star frustrado e a loucura. Estes ingredientes influenciaram na construção do muro, isolando-o. The Wall, por mais que tenha sido criticado e elogiado ao mesmo tempo pelo próprio roteirista, não deixa de ser um filme aclamado pelos fãs de cinema e da banda também.

Título original:Pink Floyd - The Wall
Gênero:Musical
Duração:1 hr 35 min
Ano de lançamento: 1982
Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer / Tin Blue / Goldcrest Films International
Distribuidora: MGM
Direção: Alan Parker
Roteiro: Roger Waters
Produção: Alan Marshall
Música: Robert Erzin e Pink Floyd
Fotografia: Peter Biziou
Figurino: Penny Rose
Edição: Gerry Hambling
Prêmios obtidos:
Melhor canção e melhor som da Academia Britanica de Cinema em 1983


domingo, 10 de abril de 2011

Dançando no Escuro



Dançando no escuro é um filme dirigido por Lars Von Trier que narra a história de Selma Jezkova, uma imigrante do leste europeu que se muda para os Estados Unidos em busca de trabalho para poder pagar a cirurgia de seu filho que possui uma doença hereditária que o deixará cego.

Selma mora em um trailer alugado por um simpático casal que ainda cuida de seu filho enquanto ela está trabalhando. Ela tenta suavizar sua dura realidade fazendo dela um musical. Sempre que passa por alguma situação difícil, ela entra em uma espécie de realidade alternativa em que tudo é um lindo musical com suas canções e danças.

Vencedor de vários prêmios, o musical possui características peculiares no que diz respeito à sua estética, pois segue os conceitos do Dogma 95, um movimento cinematográfico que começou a partir da publicação de um manifesto em março de 1995 da autoria de Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. O movimento prega a criação de filmes de maneira mais realista e menos comercial e é uma tentativa de romper com a indústria que o cinema se tornou. O manifesto propõe uma série de restrições técnicas (em relação ao uso de tecnologias nos filmes) e éticas (no que diz respeito aos assuntos abordados no filme).

Na película, podemos identificar claramente características do Dogma 95: a presença da luz natural em todas as cenas, a “câmera na mão” (idéia pregada pelo manifesto de que as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar) e um tema forte: a autonomia da mulher. O filme se passa na década de 60 e percebemos o feminismo sendo abordado, a luta da mulher pela autonomia, a tentativa de sobreviver em um universo machista. Esse assunto o diretor retoma em outros trabalhos como “Dogville” e “Manderlay”.

Entre os vários temas abordados no filme, o da crítica aos Estados Unidos é o mais forte. Percebemos closes sarcásticos na bandeira americana e também notamos uma crítica ao sistema de exploração a que os trabalhadores são submetidos. Por fim, o diretor mostra como um representante da lei (policial) comete um erro e é responsável por uma tragédia.

Com uma trilha sonora impecável e a atuação brilhante da cantora Björk, Dançando no escuro é um filme maravilhoso que sem dúvida merece os prêmios que recebeu. É impossível assistir o filme e não se sensibilizar e se chocar com sua beleza.

Ficha técnica

Diretor: Lars Von Trier

Elenco: Bjork, Catherine Deneuve, David Morse, Peter Stormare, Joel Grey, Vincent Paterson, Cara Seymour.

Produção: Vibeke Windelov

Roteiro: Lars Von Trier

Fotografia: Robby Müller e Lars Von Trier

Trilha Sonora: Mark Bell e Björk

Duração: 139 min.

Ano: 2000

País: Dinamarca / Suécia / França / Rússia

Gênero: Drama

sábado, 2 de abril de 2011

Made in Bollywood



O primeiro filme da temática "musicais" é um filme musical que escapa à cultura de filmes ocidentais. No entanto, a esmagadora maioria dos filmes produzidos em Bollywood é do gênero musical. A indústria cinematográfica made in India tem sua sede em Mumbai (antiga Bombaim), a maior cidade do país. Da característica de Mumbai ser a capital do entretenimento, surgiu o cruzamento vocabular: Hollywood + Bombay = Bollywood.

Um filme musical tem a música coreografada como parte integrante, ou seja, o enredo segue nas danças. As músicas não são simplesmente a trilha sonora, mas a continuação da estória. Uma ópera, por exemplo, é integralmente musical, mas não coreografada (porque é teatro, não dança). Nos filmes de Bollywood, tem-se a impressão de ver um filme com cinco ou seis clipes musicais no meio. No entanto, a parte musical costuma ser uma parte orgânica do filme. Muitas vezes o cenário muda (e se vê os Alpes (!) ao fundo, por exemplo), as roupas dos protagonistas frequentemente são trocadas mais de uma vez, não é incomum que chova na moça, o casal sempre é o centro da coreografia e os rostos dos dançarinos coadjuvantes não se destacam.

Assim como as novelas da Globo contam com um elenco relativamente fixo, Bollywood cultiva seus astros. Shah Rukh Khan é o Brad Pitt indiano. As estrelas atuam e dançam. A voz é de cantores famosos na Índia e na verdade a música é o chamariz para o filme. Os clipes (ou as músicas) são lançados antes do filme e servem de convite ao público para ir ver o filme. Tipo o que estou fazendo nesta resenha. 

Os temas dos filmes de Bollywood orbitam em torno do casamento, família, honra e identidade indiana. Não é à toa que os filmes são em hindi. Na Índia não há monolíngues, e se fala inglês como língua oficial (especialmente no sul). Hindi (falado) é compreendido pelos paquistaneses (que ficam ao norte da Índia e dizem que falam urdu). Paquistão um dia foi Índia. Os paquistaneses escrevem hindi (= urdu) com o alfabeto árabe (porque são muçulmanos, não hindus). A identidade indiana não é afirmada apenas através da língua. Em Chak de India, por exemplo, o treinador (Shah Rukh Khan) do time de cricket (esporte nacional) repete sempre que as jogadoras devem esquecer suas diferenças "tribais" e formar um time indiano. Em Fanaa, por exemplo, o herói é um terrorista lutando pela independência de Kashmir. Morreu. E foi a esposa amada que o matou. Em Swades, o herói (Shah Rukh Khan de novo) é um astrofísico trabalhando pra NASA que volta ao seu vilarejo natal.

Paheli afirma sua identidade indiana em todos os sentidos: é baseado num conto indiano, escrito por um autor muito celebrado na Índia (talvez equivalente ao nosso Machado de Assis). A estória de amor entre Radha e Krishna, que não são casados, nem da mesma espécie (Krishna é uma divindade, Radha é uma camponesa) se faz presente em Paheli: Lachchi (Rani Mukerji) casa-se (é um casamento arranjado) com Kishen (Shah Rukh Khan) que, na manhã após o casamento, parte em viagem por cinco anos. 

O casamento não se consuma, porque o marido precisa aproveitar um momento oportuno para fazer negócios e termina de fazer seus cálculos na noite de núpcias. O marido parte, a mulher não-desposada fica. Um fantasma apaixonado pela bela Lachchi assume as feições de Kishen e se apresenta a ela. O fantasma oferece seu amor pelo tempo em que o marido estiver fora. O título do filme - Paheli - vem do momento em que é dada a Lachchi a decisão de esperar cinco anos pelo marido ou participar da farsa de que o marido tenha voltado - sabendo que na verdade se trata de um fantasma com as feições do marido.

O fantasma dá outra vida ao corpo de Kishen: é engraçado, auto-confiante, mágico e apaixonado por ela. A decisão de se casar por amor não é difícil. Complicado é lidar com a gravidez depois de quatro anos, um ano antes da volta do marido oficial.


Directed by Amol Palekar
Produced by Gauri Khan
Shahrukh Khan
Screenplay by Sandhya Gokhale
Story by Vijayadan Detha
Sandhya Gokhale
Amol Palekar
Narrated by Naseeruddin Shah
Starring Shahrukh Khan
Anupam Kher
Rani Mukherjee
Amitabh Bachchan
Sunil Shetty
Juhi Chawla
Rajpal Yadav
Music by M.M. Kreem
Cinematography Ravi K. Chandran
Editing by Amitabh Shukla
Distributed by Red Chillies Entertainment
Release date(s) June 24, 2005
Running time 141 mins
Country India
Language Hindi