quinta-feira, 17 de junho de 2010

Tele-visão

451° F é a temperatura em que papel pega fogo. Na sociedade criada por Ray Bradbury em 1953 e filmada por Truffaut em 1966, os bombeiros têm a função de queimar os livros, não combater o fogo ou salvar vidas. Ray Bradbury escreveu o romance distópico Fahrenheit 451 numa biblioteca. Este romance é uma declaração de seu amor pelos livros.

Na sociedade totalitária criada no livro e recriada no filme, os livros e a leitura são proibidos. Não é dado às pessoas tempo para a leitura e reflexão. Desde crianças, as pessoas são mantidas ocupadas. Fazem esportes, assistem televisão e participam da programação da televisão. As paredes das casas são transformadas em telas de TV e o sonho de consumo do indivíduo é ter as quatro paredes da sala tomadas pelas televisões em cujas novelas podem atuar. O desejo geral é ser igual, é viver a vida de personagens de telenovela, por fim, consumir imagens.

Televisão é uma palavra composta, que pode ser segmentada da seguinte forma: tele- vem do grego e significa 'à distância' (daí telescópio, telepatia, telegrama) e visão é português mesmo. Ao criticar o poder da televisão e cultura de massa de modo geral, Ray Bradbury escreveu um romance visionário. Infelizmente, seu medo de que as pessoas trocariam a lavagem cerebral televisionada pela leitura já se concretizou.

A leitura não está ausente da obra Fahrenheit 451: Montag, o protagonista, que é um bombeiro, se interessa pelo material que censura e se torna um leitor. De início, a leitura é difícil: os dedos lêem, os lábios acompanham, lê-se tudo (até a ficha catalográfica das obras salvas do fogo). Com o tempo, mais leitores são descobertos, e a leitura se torna tão natural, que as pessoas se tornam livros. Com as leituras, aumenta o número de diálogos sobre reflexões, visões de mundo, experiências de leitura.

Apesar de ser bastante fiel ao livro, o filme silencia dois elementos importantes do livro: quando o protagonista começa a ler, os cães-robôs que apoiam os bombeiros começam a se voltar contra Montag. As máquinas, além dos bombeiros, perseguem os livros e os leitores. Talvez por uma questão técnica, os cães não tenham entrado no filme. Outro elemento importante no livro que não aparece no filme é um personagem, Faber, que representa a resistência dentro da sociedade e ensina o caminho para um outro foco de resistência fora da cidade.


titulo original: (Fahrenheit 451)
lançamento: 1966 (Inglaterra)
direção: François Truffaut
atores: Oskar Werner , Julie Christie , Cyril Cusack , Anton Diffring , Anna Palk
duração: 112 min
gênero: Ficção Científica

3 comentários:

Mariana disse...

O Alberto Manguel, que era o leitor do Borges quando ele ficou cego**, sempre se interessou por isso da leitura.
Tem uma parte daquele livro dele, o Uma história da leitura, que eu acho muito linda - e triste. Como é também uma passagem mt grande, vou colocar uns trechos:

"(...) não são apenas os governos totalitários que temem a leitura. (...) Em quase toda parte, a comunidade de leitores tem uma reputação ambígua que advém de sua autoridade adquirida e de seu poder percebido. Algo na relação entre um leitor e um livro é reconhecido como sábio e frutífero, mas é também visto como desdenhosamente exclusivo e excludente, talvez porque a imagem de um indivíduo enroscado num canto, aparentemente esquecido dos grunhidos do mundo, sugerisse privacidade impenetrável, olhos egoístas e ação dissimulada singular. (...) O medo popular do que o leitor possa fazer entre as páginas de um livro é semelhante ao medo intemporal que os homens têm do que as mulheres possam fazer em lugares secretos de seus corpos, e do que as bruxas e os alquimistas possam fazer em segredos, atrás das portas."

--

Nunca vi esse filme, ou li o livro. Mas me lembrou muito Um general na biblioteca, do Calvino.
Acho que o barato da leitura é esse. Na sua eu já consegui ler outras tantas. Todo texto é, no fim das contas, uma biblioteca de babel.

--

** O que eu acho bonito nessa história é que, dizem, o Borges não gostava que falassem que o Manguel lia para ele. Quem lia também era o Borges, na leitura do Manguel.

iglou disse...

Sim, sim, o general Fedina passa pela mesma experiência da leitura transformadora que Montag. E o papel de ambos é bloquear o acesso aos livros, seja pelas vias da censura, seja queimando-os.

Veja que coincidência: nesse exato momento estou corrigindo resenhas dos meus alunos (que viram 'Fahrenheit 451') sobre 'Um general na biblioteca'. Uma pessoa escreveu que os militares queimavam livros na biblioteca.

O erro desse resenhador mostra como as duas obras se cruzam.

Anônimo disse...

Iglou tem razão...
alguém já fez um filme do General na biblioteca?
espero ver o final de Fahrenheit