sexta-feira, 6 de maio de 2011

O gênio e o ciúme



Wolfgang Amadeus Mozart, segundo Norbert Elias, “simplesmente desistiu”. Mozart “morreu pela falta de significado de sua vida, por ter perdido completamente a crença de que seus desejos mais profundos seriam satisfeitos” (1995:9). E continua Elias,

"Duas fontes de sua determinação de viver, dois mananciais que alimentavam seu sentimento de auto-estima e importância, estavam quase secos: o amor de uma mulher em quem pudesse confiar, e o amor do público vienense por sua música. Por algum tempo ele gozara de ambos; e ambos ocupavam o lugar mais alto na hierarquia de seus desejos. Há muitas razões para se crer que, em seus últimos anos de vida, ele sentia cada vez mais que perdera os dois. Esta era a sua tragédia – e a nossa – enquanto seres humanos" (ELIAS, 1995:9).

Amadeus, de Milos Formam, conta a história desse homem único, dotado com essas inexplicáveis capacidades que fazem dos gênios, gênios. No Brasil, esse filme não é recomendado para menores de 14 anos. Curioso, não?! Pode ver a carnificina dos programas sensacionalistas, ditos “policiais”, que passam ao meio-dia, na hora do almoço (para os que almoçam!), mas não pode ver a história de um dos maiores compositores do planeta...

O filme começa pelo final, um formato de roteiro um tanto conhecido e consagrado. Antonio Salieri (F. Murray Abraham), grande maestro e compositor do Séc. XVIII, tenta suicídio em vão. Logo é levado para um daqueles lugares horríveis que um dia se transformariam em nossos modernos hospitais, manicômios etc, como demonstrou Foucault em seus escritos. No dia seguinte, chega um padre para ouvir a confissão de um pecador. Daí em diante, somos levados pelas memórias de Salieri ao fascinante mundo da música de corte daquele século. É nesse cenário que tomamos conhecimento da vida de um gênio, um menino prodígio que encanta a todos por onde passa. Um menino que nos deixou uma obra fenomenal e atemporal, por isso mesmo clássica.

Logo virão os conflitos de geração, as incompreensões da obra de Mozart. Como diz Salieri, referindo-se à obra daquele homem considerado um rude, num dos momentos agonísticos de sua estranha admiração por Mozart, “a beleza mais absoluta”...

Estranho sentimento esse, um misto de inveja, ciúme e contemplação divina. A obra de Mozart, muito florida e alegre, brincando com os campos harmônicos, com as modulações, revelou a mediocridade dos compositores renomados da época. Mozart jamais teria sucesso nessa empreitada.

Segundo Elias, a época não era propícia para o surgimento de artistas autônomos, como era o perfil de Mozart. A arte, e seus trabalhadores, era mais uma serva da corte, vivia das migalhas que caíam dos grandes banquetes. Mozart sabia disso e tentou romper uma tradição que se mostrou muito maior do que ele e de toda a sua genialidade. Como diria Durkheim, se quisermos saber se o social existe, como uma força exterior aos desejos dos indivíduos, basta nos colocarmos contra ele.

O exemplo de Mozart é o exemplo da força autoritária de uma tradição cega, dogmática, que insiste em demonizar tudo aquilo que está fora do costumeiro, como se a vida pudesse ser programada e ensaiada antes de ser vivida. Ora, sabemos disso, no teatro da vida não há tempo para ensaios.

Durante todo o filme somos bombardeados por uma beleza plena, oriunda dos acordes de Mozart, intercalada pela narrativa de Salieri, que extrapola os limites da lucidez, num monólogo fenomenal, desafiando Deus diante de seu representante na terra, o padre.

Considero o momento final, quando Salieri tenta acompanhar o ritmo de Mozart compondo um Réquiem para sua própria morte, um dos pontos mais emocionantes do filme. Somos colocados ante o momentum da criação de Mozart. É a hora em que a genialidade e o ciúme se harmonizam na finalização do poema sinistro. Um filme para assistir por toda a vida...

...Num dia chuvoso, a 6 de dezembro de 1791, Mozart foi enterrado numa vala comum, prática destinada às pessoas sem honra e glória, que nada de digno haviam deixado para o mundo... as águas da chuva vienense, ao som do terrível Réquiem, transformam-se em lágrimas nos olhos de quem não aceita a mediocridade.

Créditos:
AMADEUS, EUA, 1985.
Direção: Milos Forman
Elenco: F. Murray Abraham, Tom Hulce, Elizabeth Berridge, Simon Callow, Roy Dotrice, Christine Ebersole, Jeffrey Jones, Charles Kay
Fotografia: Miroslav Ondricek
Música e Supervisão de Neville Marriner
Roteiro: Peter Shaffer
Colorido
160 minutos

Prêmios:
Grande Vencedor do Oscar de 1984 com 8 Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Ator (F. Murray Abraham), Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado

Referência Bibliográfica:
ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

2 comentários:

Anônimo disse...

saudações aos que representaram a resistencia e ficam até o fim das sessões.

Anônimo disse...

da resenha, qual é o livro que usastes do Foucault.."Vigiar e Punir"
falo agora das próximas temáticas, que estejam disponíveis aki no blog com antecedencia se possível. assim o pessoal se programa e pode se dedicar as sessões. lá estarei!