terça-feira, 4 de maio de 2010

Machuca


Na infância se inicia o processo pelo qual a realidade vai sendo significada. São diversas as influências externas que permeiam este processo. Entre estas influências está o pano de fundo da vida: seu contexto político e social. “Machuca”,deixa claro que o condicionamento exercido pelo meio social não se restringe à forma pela qual atribuímos sentido à realidade; ele chega também nas nossas relações pessoais.

Ou então, como seria possível que os meninos (Gonzalo Infante e Pedro Machuca) se tornassem colegas no colégio sem a intervenção do Padre McEnroe? A atitude do padre é fundamental para o enredo da estória. O diretor, Andrés Wood, tem como inspiração a sua própria biografia, pois ele viveu na infância a mesma situação retratada no filme. Um padre influenciado por ideais progressistas fizera a mesma coisa na escola em que o diretor estudou quando criança.


Através da relação estabelecida entre os dois garotos na escola, o diretor do filme pinta as contradições existentes na sociedade chilena do início da década de 70. A diferenciação entre as condições financeiras das famílias dos dois garotos expõe com muita clareza o vale que a desigualdade social representa entre as condições da classe média e os estratos menos favorecidos da sociedade. A extrema pobreza da família de Pedro - que vive em uma casa de um único cômodo em uma favela – destoa gritantemente das condições menos desfavorecidas da família de Gonzalo. No entanto, são patentes os problemas ocasionados pelo dinheiro nas duas famílias. Na de Pedro, através de uma atroz ausência e na de Gonzalo, através dos meios - não muito convencionais - empregados por sua mãe para escapar ao racionamento dos recursos materiais impostos pelo governo de Allende.


Inicialmente, são os pontos convergentes entre os garotos que sobressaem na trama. Suas diferenças de classe ficam em segundo plano. Quando o menino de classe média se recusa a dar ao novato, de condição financeira menos favorecida, o mesmo tratamento que lhe era dispensado quando era ele o alvo predileto das chacotas dos colegas de classe, se forja a identificação entre os dois. É essa identificação que lhes permite desfrutar diversos momentos agradáveis, independentemente das suas diferenças. No entanto, quando os primeiros inconvenientes aparecem na relação, as diferenças existentes entre os dois garotos, somadas à polarização no cenário político, mostram todo o seu peso e os resultados são trágicos. Os condicionantes de classe solapam as convergências pessoais.

“Machuca” nos leva em uma viagem pelo Chile num período de enorme efervescência política. O pano de fundo dessa interessantíssima história é o fim do governo socialista de Salvador Allende e o início da ditadura do General Augusto Pinochet. Contudo, o contexto sócio-político aparece no filme de uma forma muito mais singela do que historicista. A interpretação da conjuntura política realizada pelo diretor aparece através dos garotos, muito mais por meio da sensação do que por uma análise fundamentada; de modo que não é necessário ser um profundo conhecedor da história chilena para se deliciar com este ótimo filme, que se desenrola a partir da curta relação de amizade estabelecida entre dois garotos de onze anos.


 

Informações Técnicas
Título no Brasil: Machuca
Título Original: Machuca
País de Origem: Chile / Espanha / Reino Unido / França
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 121 minutos
Ano de Lançamento: 2004
Site Oficial:
Estúdio/Distrib.: Mais Filmes
Direção: Andrés Wood

2 comentários:

Mariana Marques disse...

Depois do filme, da discussão, no caminho de casa, fiquei pensando como os filmes que tem essa temática da infância são na verdade filmes de transição. Quer dizer, difícil ter um que represente essa fase, a fase, a maioria deles retrata justamente a passagem da infância para outra coisa, que ainda não é a adolescência, muito menos a fase adulta. Penso na descoberta de um outro momento, a descoberta do que se é, através do que não se é mais. Esse filme é extremamente simbólico nisso da transitoriedade, inclusive histórica. Na discussão do Cineclube foi citada a mensagem no muro. Três momentos. Depois pensei na representação da lata do leite condensado. Inviolada, aberta e, no final, amassada (e descartada). Mais três fases. (Parece que esse é número mágico, apesar do sete cabalístico). Mas é muito mais amplo, penso. Quer dizer, a vida não é só nascer, crescer e morrer. Talvez o barato seja mesmo mostrar o que tem no meio disso. No limiar. Talvez seja nessa hora que as coisas acontecem.

Anônimo disse...

legal seu comentario.... o 3 é mesmo um numero fatalista, nada ciclico. o filme representa bem a questao da transiçao realmente. e´no meio do caminho que se olha pra tras e lembra do que ja se foi, e´ o momento que nos possibilita melhor angulo de visao em relçao ao que virá....