quinta-feira, 31 de março de 2011

Amarelo feito manga



Quantas coisas podem acontecer em um dia? Eis uma questão que salta do premiado Amarelo Manga de Cláudio Assis. Um filme que escancara uma cidade Recife bem conhecida pelos seus habitantes, mas que pode surpreender os desavisados. Logo de início, somos tomados pela reflexão de Lígia (Leona Cavalli), a loira do Avenida, “só se ama errado”, e completa: “eu quero é que todo mundo vá tomar no cú!”.

Mas por quê manga? Há quem diga que a tal fruta do conhecimento, que alguns hipocondríacos insistem em dizer “do pecado”, era ou deveria ser uma manga. Dadas as características comportadas (ou reprimidas) da maçã, a manga é quem melhor representaria essa descoberta do saber, que dá prazer e que liberta dos dogmas... e que pode ser perigoso também. É bom ficar atento às principais notícias do rádio...

Tudo acontece num dia. Amanhece o dia e com ele toda uma cidade desperta. A morte é presença garantida em quase todas as cenas. Parece nos lembrar que a cada instante novas células surgem para ocupar o lugar daquelas que findaram suas tarefas.

Numa cena inicial, em que apresenta um dos principais personagens, ouvimos: “entre todas as espécies que existem no mundo, o homem é o que mais merece morrer!” Diz Wellington Kanibal (Chico Diaz), açougueiro, marido de Kika (Dira Paes), enquanto destroça um boi num matadouro.

Matheus Nachtergaele arrasa interpretando Dunga, responsável pela faxina, pela comida e por outras coisas mais que acontecem no “estiloso” Texas Hotel de Seu Bianor.

Isaac (Jonas Bloch) tem uma tara toda especial por defuntos... Rabecão (Everaldo Pontes) é quem alimenta os sonhos de Seu Isaac. Afinal, o mundo se extingue para quem morre.

Dona Aurora, ex-dona de uma daquelas casas que leva alegria ao macharal, lamenta os tempos idos enquanto aguarda a visita da morte.

No Bar Avenida, poetas, caneiros, filósofos, papa-defuntos, traficantes e tudo quanto é gente da melhor estirpe discute os temas mais diversos. De vez em quando uma pérola como essa: “todo mundo que tem senso no Brasil, tem culpa!”, diz um frequentador assíduo do Avenida.

No meio de uma favela, que une o Texas Hotel a uma igreja abandonada, um padre nada comum solta o verbo: “o ser humano é estômago e sexo!”, e continua sartreanamente lamentando a nossa condenação à liberdade.

Às vezes temos a impressão de ser um documentário, por causa do imenso número de “figurantes”, que são na verdade os habitantes de Recife capturados por Amarelo Manga. O filme é bem realista. Com uma fotografia de alto nível e com uma trilha sonora impecável, made in Pernambuco. O final alude ao eterno retorno nietzscheano, uma boa dica para pensarmos nossas próprias vidas.

Prêmios:
Melhor Filme. Berlim 2003 – Forum, Federação Internacional dos Cinemas de Arte.
Melhor Filme. Melhor filme da crítica. Melhor filme do público. Melhor fotografia. Melhor montagem. Melhor ator. Festival de Brasília.
Melhor filme. Festival de Toulouse.
Grande Vencedor de todos os prêmios do festival. Cine Ceará 2003.

Créditos:
Direção: Cláudio Assis
Elenco: Leona Cavalli, Conceição Camarotti, Cosme Soares, Chico Diaz, Dira Paes, Matheus Nachtergaele, Jonas Bloch, Everaldo Pontes, Magdale Alves, Jones Melo.
Duração: 101 minutos.
Califórnia Filmes, Brasil.
Participam da Trilha: Lúcio Maia, Jorge Du Peixe, Fred 04 (que também aparece em cena), Pupilo, Júnior Areia, Toca Ogan, João Carlos e Otto.

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